Boulos vence em presídios de SP com 48% nos votos válidos, mas Nunes é reeleito

| 19:52
Boulos vence em presídios de SP com 48% nos votos válidos, mas Nunes é reeleito

Na manhã de 6 de outubro de 2024, enquanto os paulistanos escolhiam seu próximo prefeito nas ruas, dentro das celas e corredores de presídios e unidades socioeducativas do estado, Guilherme Boulos já tinha vencido — não no total, mas no coração de um eleitorado invisível. Nas 51 seções eleitorais montadas em cadeias e Fundação Casa, ele conquistou 48,55% dos votos válidos, com 234 votos entre 2.700 detentos e jovens apreendidos aptos a votar. Enquanto isso, nas ruas, a corrida era outra. Mas o que aconteceu dentro das grades revela algo mais profundo: uma desconexão entre o que os presos querem e o que a cidade elegerá.

Os votos que ninguém esperava

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) divulgou resultados que desafiaram expectativas. No Centro de Detenção Provisória 4 de Pinheiros, zona oeste da capital, Boulos teve votação unânime: 110 votos, de 194 eleitores habilitados. Nada mais, nada menos. Ninguém mais apareceu. Em outras unidades, como a Fundação Casa Chiquinha Gonzaga, ele empatou com o atual prefeito Ricardo Nunes — 5 votos cada. Mas o mais curioso foi o Presídio Romão Gomes, na zona norte, onde policiais condenados são encarcerados. Ali, Nunes levou 25 votos, Pablo Marçal (PRTB) 32 — e Boulos, apenas dois. Um contraste gritante. Era como se, dentro das mesmas paredes, existissem duas cidades.

Por que os presos votam diferente?

A explicação não está só na ideologia. Está na realidade. Muitos detentos veem Boulos como o único candidato que fala de reforma do sistema prisional, direitos humanos e reintegração. Ele já foi líder do movimento dos sem-teto e tem histórico de visitas a presídios. Já Nunes, como gestor do poder executivo, representa o que existe — o sistema que mantém as cadeias superlotadas, os atrasos nos processos e a falta de programas educacionais. Mas nos presídios de segurança máxima, onde a maioria dos detentos é composta por agentes da lei condenados, a lealdade é outra. Eles veem Nunes como o governante que garante a ordem — e talvez, por isso, o apoiam. Tabata Amaral (PSB), com 72 votos no primeiro turno, e Pablo Marçal (PRTB), com 124, tiveram desempenho discreto. Marçal, que se destacou nas redes sociais com discurso populista e anti-establishment, teve mais força entre os presos do que entre o eleitorado geral — mas ainda assim, não foi suficiente para desafiar Boulos nas unidades mais populosas.

O segundo turno: o que mudou?

No dia 27 de outubro de 2024, quando o segundo turno das Eleições Municipais de São Paulo ocorreu, o resultado geral foi claro: Nunes venceu com 59,35% dos votos válidos, totalizando 3.393.110 votos. Boulos, com 40,65% (2.323.901), não conseguiu superar a vantagem do atual prefeito. Mas nas unidades prisionais, a história foi outra. Boulos obteve 72% dos votos válidos — 194 votos contra 54 de Nunes. A exceção? O Presídio Romão Gomes. Lá, Nunes ganhou por 32 a 3. Um sinal de que, mesmo entre os que mais sofrem com o sistema, nem todos o veem como inimigo. Quem pode votar — e quem não votou

Quem pode votar — e quem não votou

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garante o direito de voto a presos provisórios, conforme a Constituição. Mas nem todos votam. Dos 2.700 aptos no primeiro turno, 84 não escolheram candidato: 46 detentos e 38 jovens se abstiveram, e outros 84 votaram em branco ou nulo — alguns até em partidos sem candidato à prefeitura, como o 13 (PT) e o 22 (PL). Isso mostra algo crucial: muitos não se veem representados por nenhum dos nomes. A votação não é um ato de escolha, mas de resistência — ou de desesperança.

Um debate que não aconteceu

"É uma pena, porque a maior cidade do país precisava dar o exemplo na política", disse o analista político citado pelo R7 News. "Mas a gente tem, vamos dizer assim, essa virada de uma população que está olhando muito para redes sociais. Isso acaba facilitando comportamentos muito populistas." Ele completou: "Os debates foram muito superficiais. Uma eleição precisa debater a cidade — que tipo de cidade queremos, como deve ser o seu futuro — e, infelizmente, isso não aconteceu." E é aí que mora o paradoxo. Enquanto os presos, que vivem nas garras do sistema, escolhem o candidato que propõe mudá-lo, a cidade que os mantém encarcerados escolhe o candidato que garante a continuidade. Boulos venceu nos presídios porque falou de justiça. Nunes venceu na cidade porque prometeu ordem. Mas ninguém falou — de verdade — sobre como transformar essa contradição. Quais são os próximos passos?

Quais são os próximos passos?

O governo do estado, liderado por Tarcísio de Freitas, administra o sistema prisional onde esses votos foram contados. Nenhuma das candidaturas propôs um plano concreto para reduzir a superlotação, aumentar a educação prisional ou garantir acesso à justiça. Agora, com Nunes reeleito, a pressão será para que ele cumpra promessas de segurança — mas será que ele ouvirá os que votaram nele dentro das celas? E será que Boulos, mesmo derrotado, conseguirá transformar esse voto de resistência em uma agenda política?

Frequently Asked Questions

Por que Boulos teve mais votos nos presídios do que na cidade?

Boulos é visto como o único candidato com histórico de atuação concreta em direitos humanos e reforma prisional. Ele visitou presídios, defendeu a redução da superlotação e propôs programas de educação e trabalho para detentos. Já Nunes, como gestor do atual sistema, representa a continuidade — algo que muitos presos não querem. Nos presídios, o voto é um ato de esperança, não de pragmatismo.

Quem pode votar nos presídios de São Paulo?

Apenas presos provisórios — ou seja, aqueles que ainda não tiveram a sentença transitada em julgado — têm direito ao voto, conforme a Constituição. Detentos condenados em regime fechado perdem os direitos políticos. A votação é facultativa, e muitos não participam por falta de informação, desconfiança ou desesperança. No primeiro turno, 84 eleitores se abstiveram ou votaram em branco/nulo.

Por que o Presídio Romão Gomes votou diferente?

O Presídio Romão Gomes abriga policiais condenados, muitos por crimes relacionados ao exercício da função. Eles tendem a ver Nunes como o candidato que garante a ordem e o apoio institucional — e Boulos como um crítico do sistema policial. A votação ali reflete lealdades profissionais, não ideológicas. Nunes teve 32 votos contra apenas 3 de Boulos no segundo turno, mostrando que o contexto do presídio molda o voto.

O que os resultados prisionais revelam sobre a democracia em São Paulo?

Revelam uma democracia fragmentada. Enquanto a maioria da população elegerá o candidato que promete segurança, os mais vulneráveis — os presos — escolhem o que promete justiça. Isso mostra que o sistema penal não é um reflexo da sociedade, mas um abismo. A cidade que vota em Nunes não vê o que os presos vivem. E os presos, por sua vez, não se sentem representados por ninguém — exceto por Boulos, mesmo que ele não vença.

Política

Compartilhamento Social

Escreva um comentário