A Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi o epicentro de um dos maiores esquemas de corrupção da história da previdência brasileira. Em 13 de novembro de 2025, a Polícia Federal prendeu Alessandro Stefanutto, ex-presidente do instituto, por receber R$ 250 mil por mês em propinas de uma rede de fraudes que desviou bilhões de reais de benefícios de aposentados e pensionistas. O dinheiro vinha diretamente da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), entidade que, desde 2017, tinha um acordo técnico com o INSS para aplicar descontos em benefícios — um mecanismo que virou uma máquina de lavar dinheiro.
De procurador a presidente: o caminho do facilitador
Stefanutto não chegou ao topo por acaso. Antes de assumir a presidência do INSS em julho de 2023, foi procurador-chefe do próprio instituto. Essa trajetória interna foi crucial. As investigações mostram que ele foi o principal artífice da autorização do Acordo de Cooperação Técnica com a Brasília em 2017, quando ainda atuava como procurador. Depois, como presidente, blindou o esquema. "Ele sabia exatamente onde apertar o botão para liberar recursos sem exigir documentos", disse um agente da PF, sob anonimato. As mensagens interceptadas revelam que Stefanutto, apelidado de "Italiano" nas operações, exigia comprovantes falsos apenas para a aparência — os repasses reais eram feitos sem qualquer fiscalização.As empresas de fachada e o fluxo de dinheiro
O dinheiro das propinas não ia direto para a conta de Stefanutto. Era lavado por três empresas de fachada: uma pizzaria em São Paulo, uma imobiliária em Belo Horizonte e um escritório de advocacia em Brasília. Entre junho de 2023 e setembro de 2024, mais de R$ 2,2 milhões foram movimentados por essas entidades. Planilhas apreendidas mostram que cada pagamento era registrado como "serviços de consultoria" ou "reembolso de despesas", mas não havia contrato, nem prestação de contas. "Era um sistema de pagamento mensal, como um salário ilegal", afirmou o ministro André Mendonça, em documento encaminhado ao Supremo Tribunal Federal.6,3 bilhões desviados: a escala do desastre
A fraude não era pequena. A Controladoria-Geral da União (CGU) e a PF estimam que, entre 2019 e 2024, mais de R$ 6,3 bilhões foram desviados de benefícios previdenciários por meio de entidades conveniadas, sendo a Conafer a maior delas. Só com ela, o prejuízo já chega a R$ 640 milhões entre 2017 e 2023. Mas o impacto vai além do dinheiro. Mais de 600 mil aposentados e pensionistas tiveram seus benefícios cortados, atrasados ou bloqueados por causa de falsas filiações registradas no sistema do INSS. Alguns perderam o direito à aposentadoria por anos. Outros, ao tentar reaver o que lhes era devido, enfrentaram anos de burocracia e processos judiciais.
As outras peças do quebra-cabeça
Na mesma operação de 13 de novembro, nove pessoas foram presas. Entre elas, Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, ex-procurador do INSS, e André Paulo Félix Fidelis, ex-diretor de Benefícios. Mas o verdadeiro cérebro do esquema, segundo a PF, é Antônio Carlos Antunes Camilo, o "Careca do INSS". Ele atuava como lobista e intermediário entre a Conafer e os gestores do INSS. Entre 2023 e 2024, ele movimentou R$ 9,3 milhões em transferências para servidores. Outro nome crucial é Ahmed — diretor de benefícios que autorizou o repasse de R$ 15,3 milhões à Conafer sem comprovar nenhuma filiação. "Foi um ato deliberado. Não foi erro. Foi o início da explosão da fraude", disse um procurador da República.Repercussão política e o STF no centro do caos
O escândalo chegou ao Palácio do Planalto. Em 9 de junho de 2025, o Progressistas protocolou uma ação no STF contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusando-o de negligência por não agir antes. A operação ocorreu em plena campanha para a escolha do novo ministro da Corte — Jorge Messias, favorito de Lula, enfrenta resistência por sua proximidade com o aparato administrativo do INSS nos últimos anos. A popularidade do presidente, já abalada pela crise de segurança pública, caiu mais 4 pontos nas pesquisas desde novembro. "A população não entende por que isso durou tanto", disse o sociólogo Roberto Carvalho, da USP. "Ela vê o INSS como o último pilar da cidadania. Quando esse pilar cai, a confiança desmorona."
Quem ainda está solto?
O presidente da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes, ainda não foi localizado. A PF emitiu mandado de prisão contra ele, mas ele supostamente teria deixado o país. Além disso, a investigação aponta que outras 12 entidades similares à Conafer ainda operam com acordos duvidosos com o INSS. "A estrutura de controle é frágil. A gente prendeu o ladrão, mas a porta continua aberta", alertou a auditora da CGU, Ana Paula Ribeiro.Frequently Asked Questions
Como a fraude funcionava na prática?
A Conafer criava fichas falsas de filiação de agricultores, registrando até 100 mil pessoas no sistema do INSS sem que elas existissem ou tivessem direito a benefícios. Com isso, o instituto liberava descontos sobre aposentadorias, que eram repassados à entidade. Parte desse dinheiro ia para contas de fachada e, depois, para os gestores do INSS. O sistema era tão bem montado que passou anos sem ser detectado.
Quem são as principais vítimas desse esquema?
Mais de 600 mil aposentados e pensionistas foram afetados. Muitos tiveram seus benefícios bloqueados por "inconsistências" no cadastro — que na verdade eram fraudes criadas pela Conafer. Outros tiveram o valor do benefício reduzido por conta de descontos indevidos. A maior parte são pessoas de baixa renda, que dependem exclusivamente do INSS para sobreviver. Algumas chegaram a passar meses sem receber o pagamento.
Por que a PF só agiu agora, se o esquema começou em 2017?
A fraude foi escondida por anos por meio de documentos falsos e pressão política. A CGU já havia apontado irregularidades em 2021, mas os relatórios foram ignorados. Só em 2024, após denúncias anônimas e cruzamento de dados entre bancos e o sistema do INSS, a PF começou a montar o caso. O uso de empresas de fachada e a complexidade das transferências dificultaram a investigação.
O que está sendo feito para recuperar os valores desviados?
A CGU já iniciou ações de ressarcimento contra 18 empresas e 23 pessoas físicas envolvidas. Até agora, foram bloqueados R$ 1,2 bilhão em bens, incluindo imóveis, veículos e contas bancárias. Mas a recuperação total é improvável: grande parte do dinheiro foi movimentado para o exterior ou convertido em ativos difíceis de rastrear, como ouro e criptomoedas.
Há risco de outras fraudes semelhantes em outras entidades?
Sim. Ainda existem 12 entidades com acordos semelhantes ao da Conafer, e a fiscalização é mínima. A PF identificou que o modelo de "desconto em benefícios" é vulnerável por não exigir comprovação real de vínculo. O próprio INSS reconheceu, em relatório interno, que 70% das entidades conveniadas não apresentam auditorias independentes. Sem mudanças estruturais, outras fraudes virão.
O que isso significa para o futuro da previdência no Brasil?
O escândalo abalou a confiança no sistema. A população já desconfia que o INSS não protege os mais frágeis. Se não houver transparência, reforma administrativa e punição exemplar, o risco é que mais cidadãos deixem de acreditar na previdência — e isso pode levar a uma crise de legitimidade maior do que a financeira. A recuperação da confiança levará anos, não apenas dinheiro.
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