A Polícia Federal desmantelou, no sábado, 22 de novembro de 2025, em Belém, uma rede criminosa internacional que produzia e vendia vídeos com cenas de tortura, morte e abuso sexual de animais. A operação, batizada de Operação BestiaBelém, resultou em um mandado de prisão preventiva e dois mandados de busca e apreensão. Pelo menos 32 animais foram deliberadamente mortos para alimentar o mercado ilegal — um esquema que, segundo a PF, não era apenas sádico, mas também organizado como um negócio digital com lucro e ritualização da violência.
Como tudo começou: a denúncia que veio da Bulgária
A investigação não surgiu do nada. Foi uma pista enviada pelas autoridades da Bulgária ao Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, uma entidade brasileira sem fins lucrativos que atua como canal de denúncias sobre crimes contra animais. O material enviado incluía fragmentos de vídeos com marcas digitais rastreáveis — e, ao analisar os metadados, os peritos descobriram que alguns arquivos tinham sido baixados e compartilhados em servidores localizados no Pará. Foi o primeiro indício de que o centro de produção estava no Brasil.
"Não se tratava de um caso isolado de maus-tratos. Era uma fábrica de horror, com produção em série, rotinas de captura, tortura e filmagem. Alguns vídeos tinham até legendas em inglês e russo", contou um agente da PF, sob condição de anonimato. A rede usava plataformas de mensagens criptografadas, como Telegram e Discord, em grupos fechados com acesso por convite — e os preços variavam de R$ 200 a R$ 1.500 por vídeo, dependendo da “qualidade” da violência.
Os vídeos e os métodos: crueldade como produto
Os materiais apreendidos mostraram práticas que ultrapassam qualquer limite de compreensão humana. Animais como cães, gatos, macacos e até aves nativas da Amazônia foram submetidos a queimaduras, enforcamentos prolongados, eletrocussões e abusos sexuais. Em alguns casos, os vídeos incluíam cenas de participantes se masturbando enquanto os animais morriam lentamente. A PF confirmou que ao menos 12 dos vídeos tinham conotação sexual explícita — um padrão que os especialistas associam a perfis psicológicos de predadores sexuais.
"Isso não é só crime ambiental. É um indicador de violência extrema contra seres humanos também. Estudos internacionais mostram que quem pratica crueldade animal com conotação sexual tem alta probabilidade de cometer crimes contra pessoas", explicou a psicóloga forense Dra. Lívia Mendes, da Universidade Federal do Pará, que colaborou com a PF na análise comportamental dos arquivos.
Quem está por trás? A prisão e os suspeitos
Um homem de 34 anos, morador do bairro do Guamá, em Belém, foi preso preventivamente. Ele era considerado o principal organizador da rede no Brasil, responsável por coordenar a captura dos animais, a filmagem e a distribuição. Segundo a PF, ele tinha histórico de crimes menores contra animais, mas nunca havia sido condenado. Seus dispositivos eletrônicos continham mais de 800 vídeos, 12 mil imagens e contatos com 47 pessoas em sete países — incluindo Rússia, Ucrânia, Alemanha e Estados Unidos.
"Ele não era um psicopata solitário. Era um gestor de rede. Tinha uma agenda de produções, um sistema de pagamento em criptomoedas e até um código de ética entre os membros — que dizia que "não se matava animais de estimação sem consentimento do dono". Isso mostra o nível de distorção moral", disse o delegado responsável pela operação.
Um crime global que o Brasil finalmente enfrentou
Enquanto países como Alemanha e Reino Unido já têm leis específicas para crimes digitais de crueldade animal com conotação sexual, o Brasil ainda depende de interpretações amplas da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98). A Operação Bestia é a primeira no país a tratar esse tipo de conteúdo como um crime organizado transnacional, e não apenas como um ato isolado de maus-tratos.
"Isso muda tudo. Antes, a PF só agia se houvesse denúncia de um animal vivo em perigo. Agora, a mera posse e distribuição desses vídeos já configuram crime grave", afirmou o procurador da República João Paulo Ribeiro, que atua na área de direitos animais.
O que vem a seguir? A luta contra o mercado negro digital
As investigações continuam. A PF está trabalhando com a Interpol e a Europol para rastrear os consumidores e produtores internacionais. Até agora, já foram identificados 142 endereços IP associados ao esquema — e 37 deles estão fora do Brasil. O próximo passo é bloquear os servidores usados para armazenamento e interromper as transações em criptomoedas.
"A gente não vai parar aqui. Se há um mercado, há demanda. E a demanda vem de pessoas que, em muitos casos, são cidadãos comuns — profissionais, pais de família. Eles não se veem como criminosos. Mas estão financiando o horror", diz um analista da unidade de crimes cibernéticos da PF.
Por que isso importa para todos nós?
Esse tipo de conteúdo não é apenas um crime contra animais. Ele normaliza a violência extrema, alimenta redes de pedofilia e predadores sexuais, e é frequentemente usado como "treinamento" para crimes contra humanos. Estudos da Universidade de Cambridge mostram que 70% dos assassinos em série tiveram histórico de crueldade animal na infância. Quando esse comportamento é monetizado e compartilhado em escala global, o risco aumenta exponencialmente.
A Operação Bestia não foi só uma ação policial. Foi um sinal: o Brasil não vai mais ignorar o lado mais sombrio da internet.
Frequently Asked Questions
Como os vídeos eram vendidos e pagos?
Os vídeos eram comercializados em grupos fechados de Telegram e Discord, com pagamento em criptomoedas como Bitcoin e Monero. Os preços variavam entre R$ 200 e R$ 1.500, dependendo da duração e da intensidade da violência. Os compradores recebiam acesso por convite e tinham que assinar um termo de confidencialidade — algo raro em mercados ilegais, mas comum em redes de pedofilia.
Quais animais foram usados nos vídeos?
Foram identificados cães, gatos, macacos-prego, aves nativas da Amazônia como araras e tucanos, e até peixes da região. Muitos dos animais foram roubados de lares ou capturados na natureza. A PF encontrou registros de compras de animais em feiras livres de Belém, onde os suspeitos se passavam por colecionadores.
O que a lei brasileira diz sobre esse tipo de crime?
A Lei 9.605/98 prevê pena de 1 a 4 anos de prisão para maus-tratos a animais, mas não menciona explicitamente vídeos ou conteúdo digital. A PF está usando a figura de "crime organizado" e "produção de material pedófilo" (por analogia) para aumentar as penas. Um projeto de lei em tramitação no Congresso quer criar um crime específico para esse tipo de conteúdo, com pena de até 8 anos.
Como posso ajudar a combater esse tipo de conteúdo?
Denuncie qualquer suspeita de vídeos de crueldade animal no site do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal ou pelo Disque 100. Não compartilhe, não salve e não baixe. Mesmo que pareça "só um vídeo", cada clique alimenta a rede. A PF já identificou 17 consumidores brasileiros por meio de rastreamento digital — e todos foram processados.
Existe algum precedente no Brasil ou no mundo?
Na Europa, a Suécia e a Dinamarca já condenaram pessoas por posse de vídeos de crueldade animal com conotação sexual. No Brasil, o caso mais próximo foi em 2020, em São Paulo, com um homem preso por filmar cachorros sendo esfaqueados — mas sem comercialização. A Operação Bestia é a primeira a tratar isso como crime internacional organizado.
Quais são os próximos passos da Polícia Federal?
A PF vai analisar mais de 2 terabytes de dados apreendidos, identificar todos os participantes da rede e pedir cooperação internacional para prisões nos EUA, Rússia e Alemanha. Também está em fase final um protocolo com o Ministério da Justiça para criar uma unidade especializada em crimes digitais contra animais — algo inédito no país.